[V.A. Artigo] A Outra Visão dos Deuses: Margens Filosóficas (Parte 1)

 Dando prosseguimento ao rascunho "A Outra Visão dos Deuses: Uma Perspectiva Literária"

"De tamanhos poderes e seres é possível conceber que haja uma sobrevivência... uma sobrevivência de um tempo incomensuravelmente remoto em que... a consciência se manifestava em perfis e formas que saíram de cena muito antes da preamar da humanidade... formas de que somente a poesia e a lenda conservaram uma fugaz lembrança, denominando-as como deuses, monstros e seres míticos de todas as espécies e tipos..."

Algernon blackwood, O Centauro.


O que realmente vemos existe apenas? O que as idéias nos são? Contém elas uma substância que é mera ilusão ou véu? A fantasia, o Folclore, o Mito são reais?

Comecemos com alguns questionamentos para via de mão traçarmos nosso caminho até o ponto culminante; o que sabemos é que no mundo físico e Metáfisico, existem leis que podemos presentar sob a forma de dialética, ou sob a forma de silogismos, proposições e observações, a experiência nos fornece dados para que possamos ver o mundo e seus fenômenos, nossa razão rastreia a forma e os tangencia dentro do possível com base nas adequações que podemos obter da coisa, a coisa, o fenômeno, seja ele material ou imaterial ainda assim, possui sua característica fundamental, foi formulada, seja sob a maneira científica querendo conhecer pelos sentidos o dado em questão, ou por via da formulação sintética de símbolos separados que se sintetizem em algo diferente: podemos moldar algo totalmente novo ou temos certas ideias concebidas direto na mente? Creio que para haver uma correlação entre a mente e seu conteúdo, seja ele de ordem metafísica ou material nós devamos possuir uma relação com a própria forma de relações. Assim poderíamos explicar por vias religiosas e filosóficas como nós viemos a "adquirir" ideias sobre a formação do mundo pelas Causas supranaturais do Uno, de Deus, das leis regentes do universo que apesar de todo dado científico, ela ainda assim está a margem da empiricidade total, ela veio a existir porque forças sobrenaturais sempre existiram pra ela Ser, leis seriam outrora criadas do nada? Principalmente essas de ordem universal? Todo corpo de grande extensão atrairá para si corpos menores, isso só passa a ser verdade num determinado momento ou ela sempre deve ter existido e se, para ter existido ela teria que ter seu fundamento em uma causa Eterna que a fez em um ponto, seja ele cíclicamente ou um primeiro ato que sempre esteve na existência e acima dela para poder fazê-la Ser. Isso só parece ser habilitável pra algo que já esteja nas marchas da existência possível, sendo assim, tudo que podemos correlacionar deriva de uma fonte, essa fonte é as margens do Existir ao qual chamarei de Abertura.

Essa Abertura já foi contemplada por vários pensadores de formas diferentes, Mircea Eliade a vê como o Tempo do Início nos povos "Primitivos" sem querer reforçar a noção evolucionista, podemos chamá-los de Aurorais com Vicente os chama, que estão em tempos outros que a estrutura da realidade era visto de modo diferente. O mundo era um grande processo bem organizado pelas ideias religiosas que fundavam tudo o que fazemos em completa literariedade, não ao ponto interpretativo total mas em relação a que tudo possuia um processo atuando por trás das camadas do Real, essa outra palavra bem utilizada por esses dois mas que a conferem ao fato de haver uma existência mais Real que a nossa e que a sustenta, foi identificado por Eliade em seu projeto de História das Crenças em que identifica que a autoridade humana sobre o mundo é delegada para as Formas Divinas, que assim são a Fonte, Abertura ou seu termo Offenheit calcado em Heidegger: "O mundo é para Heidegger aquele horizonte projetivo, aquela "abertura" (Offenheit), onde as coisas podem se manifestar. Mas as coisas só se podem manifestar enquanto descobertas ou abertas pelo projeto de um mundo. Portanto, para que o ente oferecido se ofereça à nossa consciência é mister uma iluminação que desenhe e ponha a descoberto o manifestável. Iluminar, projetar ou descobrir são conceitos análogos que designam justamente o que Heidegger denomina a fundação do mundo."

Haverá então no processo descrito acima e como Heidegger também nos dá seu significado de verdade (alethéia) onde o que sabemos, descobrimos e etc são uma Desvelação, Des-velar, tirando-nos o véu para um ente. Recebemos a partir de um projeto o que nos vêm a conscientizar e formar as Ideias. Isso relaciona-se claramente com uma ideia de pré-existência a partir de uma formação anterior, o conjunto de modelos anteriores ao nosso agir, em conteúdo cultural, técnico e prático. Em todos os níveis nos cogitamos modelos Eternos para nossa vida se realizar, ao buscarmos uma arquitetura, uma história (seus elementos), um modelo de ação pra uma determinada situação, nos deparamos com esses fenômenos que possuem procedência desde muito antes do limiar da humanidade comum. Vemos modelos da nossa antropogônia, teogonia e dos mais variados modelos para nossa existência, indo dos múltiplos trabalhos de Hercules como dos sofrimentos de Orfeu, assim como nossa própria história delimitada pela poesia. Vemos uma rede de símbolos que nos defrontam com noções internas. Vemos a Teologia partir de Mitos, assim como ideias surgirem a partir dessas formas, um exemplo seria o Complexo de Édipo Freudiano e muitos conteúdos que sempre nos remeterão a Fonte.

A questão da(s) Divindade(s) se torna então o modelo que nosso mundo permanece inerte, os detalhes dessas epifânias que são nossas ideias vêm então dessa camada, os poetas e filósofos grandes sempre dedicaram suas obras a Deus e isso só pode ser assim pois ele É a Fonte de nossas ideias e ações. Estamos na ação emanadora de Deuses. Temos aqui uma imagem a se formar, estamos no escuro e cada coisa que desvelamos, é um objeto de origem divina, que nos comunica para então vermos a co-mpreendê-las.

O mundo é uma Fonte inesgotável de Deuses tornando nosso mundo uma emanação infinita de Fenômenos que buscam nos levar ao mesmo rumo que o homem sempre terá: Ao Divino.
Vicente na sua obra tardia nos retrata dizendo que não podemos ter uma origem sem algo predizer nossa origem, o horizonte de possibilidades é a fundação de sua existência:

"O problema da criação do mundo deve ser elaborado em função dessas novas concepções que mudam completamente a fisionomia da problemática mesma. A criação do mundo é o resultado de um projeto de possibilidades, de um ato poético, no sentido mais amplo da palavra, que descobre, descerra e instaura uma visão das coisas. Temos, portanto, acesso ao mundo, mediante um gesto de transcendência que estabelece um regime de inteligibilidade, uma compreensão articulada dos seres intramundanos. Essa doação de sentido às coisas não é uma tarefa do intelecto discursivo, mas sim uma façanha da exuberância imaginativa, da fantasia criadora que povoa a realidade de um sem-número de personagens e de significados. Uma interpretação defeituosa dessa teoria poderia levar-nos a supor que o mito seria uma criação arbitrária e caprichosa do homem, quando na realidade, o homem é que é uma criação do mito. Mais do que isso: o homem só tem acesso às suas possibilidades, só cobra consciência de si mesmo, mediante a experiência poético-religiosa. Na sugestiva imagem de Heidegger, o homem grego não preexistiu, na plenitude de sua realidade, ao tempo de seus deuses, mas foi a presença do templo que tornou o grego, grego."

O Ser é o Sugestor e a sugestão das formas e (é) o Fascinator o processo erótico-atraente de todas as nossas fascinações pelo Ente do Ser.

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