[V.A. Conto-Tradução] Clark Ashton Smith — O Retorno do Feiticeiro (1931)
EU ESTAVA DESEMPREGADO POR MESES,
e meus bens estavam perto do ponto de não existir. Portanto estive naturalmente
eufórico quando recebi de John Carnby uma resposta favorável convidando-me para
apresentar minhas qualificações pessoalmente. Carnby avisou uma secretária,
estipulando que todos os aplicantes devem oferecer um depoimento preliminar por
carta de suas capacidades; e escrevi em resposta ao anúncio.
Carnby, sem dúvida, era um
erudito recluso que sentia aversão a contato com longas listas de esperas de
desconhecidos; e procedeu a esse meio de lidar antecipadamente com muitos,
senão todos, daqueles que eram inelegíveis. Ele havia especificado suas
exigências inteiramente e sucintamente, e eram tais que tal natureza barrava
até a pessoa mediana bem-educada. Uma noção de árabe era necessário, entre
várias; e por sorte eu atingi um certo nível de escolaridade com essa língua
incomum.
Encontrei o endereço, de quem a
localização tive somente formado uma vaga ideia, no final de uma avenida no
topo de uma colina nos subúrbios de Oakland. Era uma grande casa de dois
andares sombreada por carvalhos antigos e escuros com uma hera tomando conta.
Entre as cercas tomadas de ligustro não-podadas que a tempos reinam por anos.
Era separado dos vizinhos por uma vago lote, cheio de ervas daninhas de um lado
e um amontoado de videiras e árvores do outro, encobrindo as negras ruínas de
uma mansão queimada.
Mesmo aparte do ar de longa
negligência, havia algo lúgubre e sombrio no lugar — algo que herdava nos
contornos cheios de hera da casa, nas sombrias e furtivas janelas, nas próprias
formas de carvalhos tortos e de arbustos estranhamente espalhados. De alguma
forma minha euforia se tornou um pouco menos exuberante, conforme adentrei o
local e segui um caminho inflexível até a porta da frente.
Quando notei que estava na
presença de John Carnby, meu júbilo estava tal que ainda mais tolhido; todavia
eu não conseguia dar razão tangível para o arrepio premonitório, monótono,
obscuro sentir inquietante que experienciei, e o pesar de chumbo do meu ânimo.
Talvez seja a escura biblioteca na qual ele me recebeu tanto quanto si próprio
— uma sala quais sombras mofadas poderiam nunca ser dissipadas pela luz diurna
ou uma lamparina. De fato, devia ser isto; por John Carnby em si era
muito o tipo de pessoa que eu imaginara que seria.
Ele tinha todas as marcas de um
acadêmico solitário que se devotou pacientes anos a alguma linha de erudita
pesquisa. Ele era magro e curvado, com uma grande testa e uma crina de cabelo
grisalho; e a palidez da biblioteca refletia nas suas bochechas ocas e
barbeadas. Mas junto a isso, havia um ar pesado, um temível retraimento mais do
que timidez normal para um recluso, e uma incessante apreensão que traía em
cada relance de seus olhos escuros febris e em cada movimento de suas mãos
magras. É muito provável que sua saúde tenha sido seriamente prejudicada por
uma aplicação excessiva; e não pude ajudar mas só imaginar a natureza dos
estudos que o fizeram um tremendo caco. Mas havia algo sobre ele — talvez a
largura de seus ombros curvados e a forte aquilinidade de suas curvas faciais —
que deu-me a impressão de uma maior forma de força e e vigor ainda não
inteiramente exaurida.
Sua voz era inesperadamente
profunda e sonora.
“Creio que você servirá, Sr.
Ogden,” disse ele após algumas perguntas formais, maioria relacionada ao meu
conhecimento linguístico, em particular meu entendimento de arábico. “Suas
tarefas não serão pesadas; mas quero alguém com disponibilidade a mão a
qualquer hora precisa. Já que você deve morar comigo. Posso te dar um quarto
confortável, garanto que minha gastronomia não te envenenará. Frequentemente
trabalho a noite; espero que não ache as horas irregulares muito
desagradáveis.”
Sem dúvida eu devia estar
radiante com a assunção de que a posição secretarial seria minha. Entretanto,
eu estava ciente de uma relutância fraca e irracional e de um obscuro aviso do
mal quando agradeci a John Carnby e lhe disse que estava pronto para me mudar
para cá sempre que ele desejasse.
Ele aparentou estar bem satisfeito;
e a estranha apreensividade se foi do trejeito dele por um momento.
"Venha imediatamente — essa
mesma tarde, se puder,” ele disse. “Eu devo estar bem agradecido de tê-lo aqui
quanto mais cedo melhor. Eu vivi a maior parte sozinho durante tempos; e devo
confessar que a solidão está começando a pesar sobre mim. Também, tenho sido
prejudicado em meu trabalho por falta da ajuda adequada. Meu irmão costumava
morar comigo e me ajudar, mas ele partiu em uma longa viagem.”
Retornei aos meus aposentos no centro
da cidade, paguei meu aluguel, empacotei meus pertences, e em menos de uma hora
estive novamente na casa do meu novo empregador. Ele me colocou em um quarto no
segundo andar, que, apesar de abafado e empoeirado, era mais luxuoso em
comparação ao salão-quarto que os fundos faltantes me obrigaram a habitar por
algum tempo. Então ele me levou ao seu escritório, o qual era no mesmo
andar, no distante fim do corredor. Aqui, explicou-me, a maior parte do meu
futuro trabalho seria feito.
Dificilmente pude restringir uma
exclamação de surpresa conforme vi o interior da câmara. Era muito como pensei
que seria o covil de algum antigo feiticeiro. Havia ali mesa espalhadas com
instrumentos arcaicos de uso dúbio, com cartelas astrológicas, com caveiras,
cristais e alambiques, com incensários tais que usados pela Igreja Católica, e
volumes atados a roídos couros com fivelas de verdigris. Em um canto estava o
esqueleto de um grande macaco; em outro, um esqueleto humano; e acima estava
suspendido um crocodilo empalhado.
Havia caixas superlotadas com
livros, e cada incursão visual sobre títulos indicavam-me que eles eram
formados singularmente de uma coleção entendida de antigos e novos trabalhos em
demonologia e as artes negras. Havia algumas pinturas estranhas e gravuras nas
paredes, lidando com temas relacionados; e a completa atmosfera de um quarto
exalando uma junção de superstições quase esquecidas. Normalmente eu teria
sorrido se confrontado com tais coisas; porém de algum modo, nessa solitária,
soturna casa, além do neurótico, enfeitiçante Carnby, foi difícil para mim
reprimir um tremor real.
Sobre uma das mesas, contrastando
incongruentemente com essa mistura de medievalismo e Satanismo, estava ali uma
máquina-de-escrever cercada de pilhas desordenadas de manuscritos. Num dos
finais do cômodo tinha uma pequena, alcova curvada em que Carnby dormia.
No final oposto da alcova, entre os esqueletos símio e humano, percebi um
armário trancado que foi colocado na parede.
Canrby notou minha surpresa, e
estava me assistindo com uma atenta e analítica expressão que achei impossível
de sondar. Ele começou a falar, em tom explicativo.
“Eu fiz o trabalho de uma vida em
demonismo e feitiçaria,” declarou. “É uma área fascinante, e um que é
singularmente negligenciado. Estou preparando uma monografia, na qual tento
correlacionar as práticas mágicas e o culto do demônio de cada era e povo
conhecida. Seus trabalhos, por enquanto, consistirá em digitar e organizar as
volumosas notas preliminares que fiz, e em me ajudar a rastrear outras
referências e correspondências. Sua noção de Arabico será inestimável a mim,
porque eu mesmo não sou tão pé no chão nessa linguagem em si, e esrou
dependendo por certas informações sobre uma cópia do Necronomicon no
original árabe. Eu tenho motivos a crer que há certas omissões e erros na
versão latina de Olaus Wormius.”
Ouvi falar desse raro e
fantástico volume, mas nunca o vi. É suposto esse livro ter os conhecimentos de
supremos segredos malignos e saberes proibidos; e, ainda mais, o original,
escrito pelo árabe louco Abdul Alhazred, foi dito ser inacessível. Me pergunto
como veio cair sob posse de Carnby.
“Mostrarei-lhe o volume após o
jantar,” Carnby se foi. “Sem dúvidas que você será hábil em elucidar uma ou duas
passagens que longamente me enigmatizam.”
A refeição da tarde, cozinhada e
servida pelo próprio empregador, foi uma mudança bem-vinda da refeição de
restaurante barato. Carnby aparenta ter perdido uma boa porção do nervosismo.
Ele estava bem-falante, até começou a exibir uma certa alegria acadêmica após
partilhar uma garrafa de Sauterne suave. Ainda, sem razão aparente, estive
preocupado por intimações e pressentimentos que não pude nem analisar ou traçar
sua fonte certeira.
Nós retornamos ao escritório,
carnby trouxe do armário trancado o volume que havia dito. Era abismalmente
velho e estava preso a capa de arabescos de ébano com gemas prateadas e escuras
brilhando. Quando abri as páginas amareladas, me afastei em repulsa
involuntária ao odor que surgiu delas — um odor que era mais sugestivo que a
decadência física, como se o livro estivesse sobre envolta de corpos em algum
cemitério esquecido e tivesse assumido a forma da dissolução.
Os olhos de Carnby estavam
fervendo com a fraca luz enquanto ele tomava o antigo manuscrito de minhas mãos
e virava as páginas até o próximo ao meio. Ele indicou em uma certa passagem
com seu dedo indicador fino.
“Diga-me o que você tira disso,”
disse ele, num tenso e animado sussurro.
Eu decifrei o parágrafo, lenta e
com alguma dificuldade, e escrevi uma versão em inglês rústico com o caderno e
lápis que Carnby me ofereceu. Então, ao seu pedido, eu li alto:
“É sabido por poucos, mas sem
dúvida um fato atestado, que a vontade de um feiticeiro morto exerce poder
sobre deu próprio corpo e pode erguê-lo da tumba e performar com isso qualquer
ação incompleta em vida. E tais ressurreições são invariavelmente pelo feito de
motivos malévolos e para o detrimento de outros. Mais prontamente o corpo pode
ser reanimado se todos os membros estiverem intactos; e ainda há casos que o
excedente de vontade de um feiticeiro trouxe da morte seus membros fragmentados
e os fez seguir seu fim, ou separados ou em efêmera reunião. Mas em cada
instância, após a ação ser completada, o corpo retornas ao seu estado
anterior.”
É claro, tudo isso era bobagem
passageira. Provavelmente foi a estranha nociva absorção com a qual meu
empregador atentou, era mais maldita que a passagem do Necronomicon, que
causou meu nervosismo e fez-me frenético quando, próximo ao fim da minha
leitura, ouvi um indescritível som de rastejar no corredor afora.
Porém quando finalizei o parágrafo e olhei para Carnby, estava mais assustado
pela expressão drástica, encarando o medo que sua face tinha assumido — a
expressão de alguém tomado por uma assombração infernal. De algum modo,
consegui sentir que ele havia notado o estranho barulho no corredor mais do que
minha tradução de Abdul Alhazred.
“A casa está cheia de pestes,”
explicou, assim que capturou meu relance inquisidor. “Nunca consegui me livrar
deles, com todos os meus esforços.”
O barulho que ainda continuava,
era aquele em que um rato esteja arrastando algum objeto lentamente pelo
corredor. Soava mais próximo, a aproximar da porta do quarto de Carnby, então,
após uma intermissão, começou a mover-se novamente e recuou. A agitação do meu
empregador estava marcada; ele ouvia com temerosa intenção e parecia seguir seu
progresso com um terror que dominava conforme se aproximava e recuava de pouco
com o sua recessão.
“Estou muito tenso,” disse ele.
“Andei trabalhando muito ultimamente, e esse é o resultado. Até um barulhinho
me perturba.”
O som havia morrido agora em
algum lugar distante da casa. Carnby aparentou se recuperar a tempo.
“Você poderia reler sua
tradução?” pediu. “Eu quero prestar muita atenção, palavra por palavra.”
Obedeci. Ele ouviu com a mesma
aparência de profana absorção como antes, e dessa vez não interrompida por
quaisquer sons no corredor. O rosto de Carnby empalidecia, como se a última
sobra de sangue tivesse sido drenado dele, quando li as sentenças finais; e o
fogo em seus olhos vazios estavam brilhando como luz em uma imensidão profunda.
“Essa é uma passagem bem
marcante,” ele comentou. “Eu estava em dúvida sobre o significado, com meu
árabe imperfeito; e creio ter notado que a completa passagem foi omitida da
latina de Olaus Wormius. Agradeço o seu resultado acadêmico. Você certamente a
iluminou para mim.”
Seu tom era seco e formal, como
se estivesse se reprimindo e segurando um mundo de pensamentos e sentimentos
inimagináveis. De algum modo senti que Carnby estava mais nervoso e aborrecido
do que nunca, e que meu resultado sobre o Necronomicon havia
em alguma estranha via adicionado a sua perturbação. Ele estava com
expressões muito horripilantes, como se a sua mente estivesse confinada em com
algum tema repreensível e condenado.
Contudo, parecendo retornar a si,
pediu-me para traduzir outra passagem. Essa parecia ser uma exótica fórmula
encantatória para exorcismo dos mortos, com um ritual envolvendo uso de raras
especiarias árabes com uma entonação apropriada de pelo menos centenas de nomes
de carniçais e demônios. Registrei-o tudo para Carnby, que o estudou por um
longo período com uma atenção que ultrapassava o mero academicismo.
“Isso também,” ele notou, “não
está em Olaus Wormius.” Após analisar novamente, ele guardou a folha
cuidadosamente e colocou no mesmo armário do qual tinha retirado o Necronomicon.
“Essa tarde foi uma das mais
estranhas que passei. Conforme nos sentamos por hora após hora discutindo os
frutos desse volume maldito, comecei a aprender mais e definitivamente que meu
empregador estava mortalmente temendo algo; que ele temia estar só e estava
mantendo-me com ele por mais do que qualquer outro motivo. Sempre aparentou
estar esperando e ouvindo com dolorosas e tortuosas expectativa, e notei que
ele dava apenas uma atenção artificial ao que era falado. Entre os estranhos
aparelhos da sala, naquela atmosfera de maldade não-manifestada, de horrores
indizíveis, a esfera racional da minha mente começou a fadar lentamente a
recrudescência de temores ancestrais sinistros, pontuando tais coisas em meus
momentos ordinários. Estava agora a ponto de crer nas mais nefastas fantasias
de superstições requintadas. Sem dúvida que por um processo de contágio mental,
captei o terror furtivo do qual Carnby se rendeu.
Sem palavra ou sílaba,
entretanto, o homem admitiu os evidentes sentimentos que afloravam em seu
subterfúgio, porém ele falou repetidamente de uma condição nervosa. Mais de uma
vez, em nossa discussão, que ele apenas ousara sugerir que seu interesse no
sobrenatural e Satânico era completamente intelectual, que ele, como a mim, não
havia crenças pessoais nessas coisas. Ainda assim soube infalivelmente que seus
resultados eram falsos; que ele estava conduzido e obcecado com uma fé real em
tudo que pretendia ver com lentes científicas, indubitavelmente tinha sido
vítima de algum imaginário horror entrelaçado por suas pesquisas ocultas.
Todavia minha intuição não deu pistas da atual natureza desse horror.
Não havia repetição dos sons que
tinham sido tão perturbantes ao meu empregado. Devíamos ter sentado até
meia-noite com os escritos do Árabe louco aberto ante nós. Finalmente Carnby
começou a notar o entardecer da hora.
“Temo que segurei você por muito
tempo,” disse apologeticamente. “Você deve ir dormir um pouco. Sou egoísta, e
esqueci que tais horas não são habituais para os outros como elas são para
mim.”
Fiz a recusa formal que sua
presunção requeria a devida cortesia, dissera boa noite, e notei minha própria
câmara com um sentimento intenso de alívio. Parecia a mim que havia deixado
todo o sombrio temor e opressão a que estava sujeito para trás.
Apenas uma luz estava iluminando
a longa passagem. Estava próxima a porta de Carnby; e minha porta no distante
final, frente a escadaria, estava uma sombra profunda. Conforme eu peguei a
maçaneta, ouvi um som atrás de mim, e virei-me para ver no breu um pequeno e
indistinto corpo se arrastando do corredor indo até o andar superior,
desaparecendo de vista. Estava horrivelmente surpreendido; pois até mesmo no
vago relance, a coisa era muito pálida para um rato e sua forma não sugeriria
animal algum. Não conseguia jurar sobre o que era, mas os contornos eram
indizivelmente monstruosos. Estava parado e tremendo cada membro, e ouvia na escadaria
um singular som de batida como a queda de um objeto rolando escada abaixo passo
a passo. O som repetia-se a intervalos semelhantes quando finalmente cessou.
Se a seguridade da alma e do
corpo tivesse dependido disso eu não teria me virado para a iluminação na
escada; nem teria ido até elas para garantir a não-colisão com o antinatural.
Qualquer um, caso testemunhasse, teria feito isso. Invés disso, após
estar paralisado por um momento, adentrei meu quarto, tranquei a porta, e fui
para cama em uma perturbação de dúvidas ambíguas e terror abstruso. Deixei a
luz acesa; e fiquei acordado por horas, esperando a recorrência momentânea
daquele abominável som. Porém casa estava silenciosa como um necrotério e
não notei nada. A altura, apesar dos receios do contrário, adormeci e não
acordei após muitas horas de sono sem sonhar.
Eram dez horas, conforme contava
o relógio. Ponderava se meu empregador deixou-me imperturbado em consideração
ou não havia levantado ainda. Vesti-me e desci as escadas para me deparar com
ele esperando a mesa de almoço. Ele estava mais pálido e trêmulo desde sempre,
como se tivesse dormido muito mal.
“Espero que os ratos não o tenham
importunado muito,” ele observou, após um cumprimento preliminar. “Algo muito
sério deve ser feito a respeito deles.”
“Não percebi eles ao todo,”
repliquei. Por alguma razão era quase impossível para mim mencionar o bizarro e
ambíguo evento que vi e ouvi na noite anterior ao ausentar-me. Independente se
estivesse me enganado; não importando se tivesse sido meramente um rato ao todo
trazendo algo escadaria abaixo. Tentei esquecer o barulho hediondo e repetido e
o instante momento do relance dos contornos impensáveis na escuridão.
Meu empregador olhou com uma
inquietante acuridade, como se buscasse adentrar no íntimo do meu pensar. O
café-da-manhã foi um esforço desolador; e o dia que se seguiu não foi menos
sombrio. Canrby isolou-se até o meio da tarde, e fui deixado para meus
pertences na bem estocada mas convencional biblioteca no térreo. O que Carnby
estivesse fazendo sozinho no cômodo não pude supor; porém eu pensei mais de uma
vez ter ouvido a fraca entonação de uma voz solene. Sinais de um horror
crescente e intuições pertubantes invadiram meu cérebro. Mais e mais a
atmosfera da casa cobria e sufocava-me com uma venenoso miasma de mistérios; e
senti em qualquer lugar o cismar de invisíveis e malditas incubações.
Era quase um alívio quando meu
empregado convocou-me para seu escritório. Adentrando notei que o ar estava
cheio de um pungente cheiro aromático e havia sido tocado pelas espiraladas de
um vapor azul em desaparecimento, como se fosse da queima de polpas e
especiarias orientais nos censores da igreja. Um tapete ispaão tinha sido
movido da posição próxima da parede para o centro da sala, mas não era o
suficiente para cobrir inteiramente a curvada marca violeta que sugeria o
desenho de um círculo mágico no chão. Sem dúvidas Catnby havia performado algum
tipo de encantamento; e pensei na incrível fórmula a qual tinha traduzido a seu
pedido.
Entretanto, ele não ofereceu
explicação alguma para o que esteve fazendo. Seus modos se alteraram
visivelmente e era mais controlado e confiante que antes. De modo quase
executiva ele colocou ante mim uma pilha de papéis que ele queria que eu
digitasse para ele. O clique familiar das teclas aliviou-me de algum modo em
ignorar qualquer apreensão de um vago mal, e pude quase sorrir para a pesquisa
e a tenebrosa informação contida nas notas do meu empregador, quais lidavam
principalmente com fórmulas de aquisição de poderes proibidos. Mas ainda
assim, sob minha tranquilidade, houve uma inquietação vaga e persistente.
A noite chegou; e após
nossas refeições, retornamos para o escritório. Havia uma tensão nos modos de
Carnby agora, como se estivesse atentamente aguardando o resultado de um
teste oculto. Continuei com meu trabalho; mas algumas de suas emoções
comunicaram-se comigo, e, de vez em quando, eu me peguei em uma atitude de
auscultação tensa.
Finalmente, acima dos cliques das
chaves, ouvi o peculiar rastejar pelo corredor. Carnby ouviu-o, também, e sua
forma perfeitamente confiante esvaneceu, dando espaço para o mais lastimável
medo.
O som se aproximava e era seguido
por um maçante som de arrasto, e então, por mais sons de inidentificável
arrastar e abafamento de variado tom. O corredor estava claramente cheio deles,
com se um completo exército de ratos estivesse carregando algumas carroças pelo
chão. E mesmo nenhum roedor ou vários roedores poderiam ter feito tais
barulhos, ou movido algo tão pesado como o objeto que estava jazendo. Tinha
algo no tipo dos barulhos, algo sem nome ou forma, que causou arrepios lentos
invadindo minha espinha.
“Bom Deus! O que é esse barulho
infernal!” Eu gritei.
“Os ratos! Eu te digo que são os
ratos!” A voz de Carnby ressoava num berro histérico.
Um momento após, adveio um
inequívoco bater na porta, próximo a soleira, Ao mesmo tempo ouvi a pesada
palpitação na gaveta do armário no fim mais distante da sala. Carnby estava
parado ereto, mas agora afundou em uma cadeira. Suas feições estavam apagadas e
seu olhar era quase maníaco de espanto.
A dúvida e a pressão do pesadelo
tornara insuportável e corri para a porta e a abri, apesar do franco receio do
meu empregador. Não tive ideia do que enfrentaria enquanto cruzava a soleira
dentro do corredor mal iluminado.
Quando olhei para baixo e vi a
coisa a qual quase trombei, meu sentimento foi de espanto e náusea momentânea.
Era uma mão humana que havia sido partida no pulso — uma magra mão azulada tipo
o de um corpo de velho de uma semana com mofo nos dedos e encravado nas unhas
sob as longas unhas. A maldita coisa tinha se movido! Ela
havia se afastado para se desviar de mim, e estava rastejando pela passagem aos
modos de um siri. E seguindo-a com meu olhar, vi outras coisas além dela, uma
das coisas reconheci como o pé de um homem e outra como um antebraço. Não ousei
ver o resto. Todos estavam se movendo, afastando-se escondidamente longe em uma
procissão de caracóis, e não pude descrever a forma como eles se moviam. Suas
vitalidades individuais eram monstruosas além da resistência. Era mais
que a vitalidade da vida, It was more than the vitality of life, mas o ar
estava carregado com uma mácula de carniça. Virei meus olhos e retornei para a
sala de Carnby. Fechando a porta atrás de mim com a mão tremendo. Carnby estava
do meu lado com a chave, a qual ele revirou na fechadura com seus com dedos
paralisados que tinham se tornado tão fracos quanto os de um homem velho.
“Você os viu?” perguntou-me com
um sussurro seco e hesitante.
“Em nome de Deus, o que era isso
tudo?!” Berrei.
Carnby retornou a sua cadeira,
cambaleando um pouco com fraqueza. Seus lineamentos foram agonizados pelo
amargor de algum horror interior, e ele tremeu visivelmente com um paciente em
agonia. Sentei-me ao lado dele em uma cadeira, e ele começou a gaguejar adiante
sua confissão inacreditável, meio incoerentemente, com travada inconsequentes e
muita quebras e pausas:
“Ele é mais forte do que eu sou —
mesmo na morte, mesmo com seu corpo dilacerado pela lâmina de um cirurgião e vi
que usei. Pensei que ele não poderia retornar mais depois daquilo — após tê-lo
enterrado as partes em uma dezena de locais diferentes, no porão, abaixo dos
arbustos, ao pé das vinhas. Mas o Necronomicon estava
correto... e Helman Carnby sabia. Ele me avisou antes de eu matá-lo, ele
me disse que retornaria — mesmo nessa condição.
Mas não acreditei nele. Eu odiei
Helman, e ele me odiava também. Ele reuniu um poder maior e conhecimento e era
mais adorado pelos Obscuros do que eu. Por isso o matei — meu próprio gêmeo, e
meu irmão a serviço de Satã e Daqueles que eram antes de Satã. Nós estudamos
juntos por muitos anos. Celebramos a Missa Negra juntos e éramos
atendidos por familiares. Mas Helman Carnby tinha ido mais fundo no oculto,
dentro do proibido, onde não pude segui-lo. Eu o temi, e não podia suportar sua
supremacia.
“Passou-se mais de uma semana —
são já dez dias após o meu feito. Mas Helman — ou uma parte dele — retornava a
cada noite... Deus! Suas mão malditas rastejando pelo corredor! Seus pés, os
segmentos das pernas. Subindo as escadas em algum meio imensurável para me
assombrar!... Cristo! Seu terrível torso sangrento deitado aguardando. Te
direi, suas mãos vem até de dia para bater e atazanar a minha porta... e
tropecei em seus braços no escuro.
“ Oh Deus! Devo endoidar com a
nefasta coisa. Porém ele me quer louco, ele quer torturar-me até meu cérebro
desistir. Por isso ele me assombra com essa forma em membros. Ele poderia finalizar
tudo isso com o poder demoníaco dele. Ele poderia reatar seus membros separados
e o corpo e matar-me como eu o matei.
“Quão cuidadoso enterrei seus
membros, com que infinita premeditação! E quão inútil foi! Enterrei a faca
também, no mais longínquo do jardim, o mais distante possível de suas malignas
mãos pruridas. Mas eu não enterrei sua cabeça com as outra partes — a mantive
dentro da gaveta ao final da sala. Algumas vezes ouço-o se movendo ali, como
você acabou de ouvir há pouco.... Mas ele não necessita da cabeça, sua vontade
está em tudo, e ele pode trabalhar ciente através de seus membros todos.
“ É claro, tranco todas as porta
e janelas a noite quando descobri que ele retornava... mas não fez diferença. E
tentei exorcizá-lo com os encantamentos apropriados — com todos aqueles que
sabia. Hoje tentei aquela fórmula suprema que você traduziu do Necronomicon para
mim. Também, não pude mais suportar estar só e pensei que pudesse ter auxílio
com mais alguém na casa. Aquela fórmula era minha última esperança. Pensei que
poderia segurá-lo — é a mais antiga e terrível encantação. Todavia, como
vistes, era inútil...”
Sua voz se arrastava em um
murmúrio quebrado, e ele se sentava olhando fixamente diante dele, sem ver,
olhos intoleráveis na qual eu vi o indício de loucura. Não pude dizer nada — a
confissão expressada era tão inefavelmente atroz. O choque moral, e o sinistro
horror sobrenatural quase me deixou estupefato. Minhas sensibilidades estavam
abaladas; e não até que eu tivesse começado a me recuperar que senti a
irresistível onda de ódio pelo homem que estava ao meu lado.
Me levantei. A casa tinha
ficado muito silenciosa, como se o macabro e carrasco exército de cerco tivesse
agora se recolhido em suas várias sepulturas. Carnby deixou a chave na fechadura
e foi para a porta e a virou rápido.
“Você está saindo? Não vá,”
Carnby implorou em uma voz trêmula e alarmada, enquanto estive parado como
minha mão na maçaneta.
“Sim, estou indo,” falei
friamente. “Estou renunciando meu cargo agora; e irei empacotar meus pertences
e deixar sua casa com o mínimo de demora possível.”
Abri a porta e saí, recusando-me
a ouvir aos argumentos e clamores e os protestos que ele começou a balbuciar.
Por um momento, preferi a face do que quer que espreite no corredor sombrio,
independentemente do quão terrível e odioso, em vez de suportar a sociedade de
John Carnby.
O corredor estava vazio; mas eu
tremi com repulsa a memória do que foi visto, me apressei ao meu quarto. Creio
ter gritado alto ao menor som ou movimento nas sombras.
Comecei a empacotar minha valise
com o sentimento da mais franca urgência e compulsão. Parecia a mim que eu não
poderia escapar cedo dos segredos abomináveis da casa, sobre a qual paira a
atmosfera de ameaça atenuada. Cometi erros na pressa, esbarrei sobre cadeiras e
meu cérebro e dedos ficaram dormentes com o pavor congelante.
Quase terminando minha tarefa,
quando ouvi o som de lentos passos medidos vindo para as escada. Sabia que não
era Carnby, pois ele se trancou imediatamente em seu quarto quando sai; eu tive
certeza de que nada o atentaria a sair. De todo modo, ele dificilmente desceria
as escadas sem que eu o ouvisse.
Os passos vieram para o piso
superior e atravessaram minha porta adiante ao corredor, com a mesma morta
monotonia repetida, padrão como o movimento de uma máquina. Certamente
não foi a pegada suave e nervosa de John Carnby.
Quem então, poderia ser? Meu
sangue paralisava nas minhas veias; não pude ousar concluir a especulação
surgia em minha mente.
Os passos pararam; eu sabia que
eles haviam alcançado a porta do quarto de Carnby. Seguiu-se um intervalo no
qual eu escassamente podia respirar; então eu ouvi uma terrível batida e
um som estilhaçante, e acima disso o grito ressoante de um homem no seu mais
alto pico de medo.
Estava impotente para me mover,
como se invisíveis mãos de ferro tivessem me alcançado para me restringir; e
não tive ideia de quanto tempo esperei e ouvi. O grito desvaneceu em um
rápido silêncio; Não ouvia mais nada agora, exceto um baixo, peculiar e
recorrente som que meu cérebro se recusou a identificar.
Não era minha volição, mas uma
vontade mais poderosa que a minha, que me arrastou e me impeliu finalmente a
descer pelo corredor para o escritório de Carnby. Senti a presença dessa
vontade como uma coisa sobrepujante e super-humana — uma força demoníaca, um
maldito mesmerismo.
A porta do escritório foi
quebrada e estava pendurada por uma dobradiça. Foi fragmentada pelo impacto de
algo mais que a força mortal. Uma luz ainda estava iluminando o quarto, e o som
não-mencionável que vinha ouvindo cessou conforme aproximava ao umbral.
Seguiu-se uma quietude maligna e absoluta.
Novamente parei e não pude ir
além. Porém desta vez, era algo outro que o infernal magnetismo penetrante que
petrificou meus membros e me prendeu-me ante a soleira. Espiando no quarto, o
espaço estreito que era marcada pela porta e acesa por uma lâmpada não-vista,
vi em um dos lados o tapete oriental e os contornos terríveis de uma sombra
monstruosa imóvel que caiu no chão. Grande, alongada, mal-formada, a sombra foi
aparentemente lançada pelos braços e tronco de um homem nu que se inclinava
para frente com a serra de um cirurgião na mão. Sua monstruosidade estava
nisto: embora os ombros, o peito, o abdômen e os braços fossem todos claramente
distinguíveis, a sombra estava sem cabeça e parecia terminar em um pescoço
abruptamente cortado. Era impossível, considerando a posição relativa, que a
cabeça tivesse sido ocultada da vista através de qualquer forma de prenúncio.
Esperei, impotente para entrar ou
fugir. O sangue tinha voltado ao meu coração em uma maré de gelo, e o
pensamento estava congelado no meu cérebro. Um intervalo de horror sem termo, e
então, do lado oculto do quarto do Carnby, da direção do armário trancado, veio
um temível e violento acidente, e o som de madeira rachada e dobradiças
chorosas, seguido pelo som sinistro e desolador de um objeto desconhecido
batendo no chão.
Outro intervalo, e então, sem
aviso prévio, testemunhei a terrível e inexplicável desintegração da
sombra, que parecia quebrar-se suavemente e facilmente em muitas sombras
diferentes, antes que ela se desvanecesse de vista. Hesito em descrever a
maneira, ou especificar os lugares, em que ocorreu esta singular ruptura, esta
clivagem múltipla. Simultaneamente, ouvi o ruído abafado de um implemento
metálico no tapete persa, e um som que não era o de um único corpo, mas de
muitos corpos caindo.
Atraído por aquele hipnotismo
funesto, como um sonâmbulo conduzido por um demônio invisível, entrei na sala,
conheci com uma presciência repugnante a visão que me esperava além do limiar -
o monte duplo de segmentos humanos, alguns frescos e
sangrentos, e outros já azuis com início de putrefação e marcados com manchas
de terra, que se misturavam em confusão abominável no tapete.
Uma faca e uma serra avermelhadas
saltavam da pilha; e um pouco para um lado, entre o tapete e o armário aberto
com sua porta estilhaçada, ali repousou uma cabeça humana que estava diante dos
outros remanescentes em uma postura ereta. Estava na mesma condição de
decadência incipiente que o corpo ao qual havia pertencido; mas juro que vi o
desvanecimento de uma exultação maligna de suas características ao entrar.
Mesmo com as marcas de corrupção sobre eles, os lineamentos apresentavam uma
manifesta semelhança com John Carnby, e claramente poderiam pertencer apenas a
um irmão gêmeo.
As inferências assustadoras que
sufocaram meu cérebro com sua nuvem negra e úmida não devem ser escritas aqui.
O horror que eu observei — e o maior horror que eu supunha - teria envergonhado
as mais sujas enormidades do inferno em seus fossos congelados. Houve apenas
uma atenuação e uma misericórdia: Eu fui obrigado a olhar apenas por alguns
instantes para aquela cena intolerável. Então, tudo de uma vez, senti que algo
havia se retirado da sala; o feitiço maligno foi quebrado, a vontade
avassaladora que me mantinha cativo havia desaparecido. Tinha me libertado
agora, assim como tinha libertado o cadáver desmembrado de Helman Carnby. Eu
estava livre para ir; e fugi da câmara sinistra e corri de cabeça através de
uma casa sem luz e adentrando a escuridão exterior da noite.
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