[V.A. Artigo] Ensaio de uma Investigação Filosófica Sobre as Raízes do Medo e do Insólito

The Sciapods — Clark Ashton Smith
Apresentação
O Medo e o Desconhecido são linhas muito semelhantes, na sua gênese se confunde, na religião se harmoniza, onde cada aspecto trabalha, se institui e emana de seus próprios elementos analíticos: a soma de três conceitos que se amalgamam de outros fatores (Medo, Espanto, Sensibilidade) indicados nas notas e bibliografia simples (em organização...). O assunto longe de ser algo simples e raso, influe para ideias que são compreendidas mais pelo exercício do sentimento tanto quanto pela sua razão. O princípio que a justifica se radica essencialmente na camada do inconsciente e do impulso instintivo, na racionalização de seu conteúdo, podemos abordar como um índice de Objetos vastos e possui um panorama prático na obra do filósofo Edmund Burke que comentarei em breve.
Esse artigo será expandido e empreenderá ligação com as primeiras frases desse texto, cada um em seu enfoque: para começar a tratar começo por suas insinuações; usando a já enjoada epígrafe de Lovecraft, "A emoção mais antiga e intensa da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e mais poderoso é o medo do desconhecido."¹ Para partir do assunto o ensaio de Lovecraft está sendo essencialmente preciso ao botar a centralidade da emoção no cerne da posição, ela precede as formas racionais do homem, junto aos instintos em que somos equipados, eles agem antes, o mecanismo de defesa que é radicado na parte inconsciente do cérebro onde certas "automações" são a parte que desconhecemos e assim foi moldando seu inventário de experiências no mundo sem controle das ações lógicas, superantes que a humanidade iria assumir no longínquo futuro. Nesse espaço se encontram a base das emoções estudadas, tem-se por característica a falta de experiência que lançou o homem no caldeirão de criações que se tornaram os fundamentos míticos, lendários e informais a respeito da gênese e concepção do seu mundo ao redor. E Lovecraft mira para apreciar essa mesma relação sentimental que esse ambiente antigo remete quando incita que apenas leitores de sensibilidade necessária consigam apreciar o tipo de estórias apresentadas nisso — o componente do medo e do Weird², a posição que se pede é a de abandono e até um certo esforço imaginativo para retornar a esse campo de possibilidades da experiência ao ler uma história de horror pelo que se apresente fenômenos ou acontecimentos que quebrem com a expectativa ou melhor dizendo, com as leis e noções adquiridas pelo perpétuo desvendar dos segredos do mundo e do universo.
O Que É a Literatura de Horror e Propriamente Literatura Weird"...for though the area of the unknown has been steadily contracting for thousands of years, an infinite reservoir of mystery still engulfs most of the outer cosmos..."³
Podemos começar com uma aproximação: Horror, Terror, Medo, se diz de um sentimento irracional que temos de algo, muito bem relacionado com fobias mas não especificamente. Burke na sua obra A Philosophical Enquiry Into the Origin of Our Ideas of the Sublime and the Beautiful, Parte I seção VII — O Sublime: "O que quer que de alguma forma seja capaz de excitar as ideias de dor e de perigo, ou seja, tudo o que for terrível de alguma forma, ou que compreenda objetos terríveis, ou opere de forma análoga ao horror é fonte do sublime; ou seja, é capaz de produzir a emoção mais forte que a mente é capaz de sentir. Digo que é a emoção mais forte, porque acredito que as ideias de dor são muito mais poderosas do que as introduzidas pelo prazer."
Creio que essa parte seja bem auto-explicativa, porém, delonguemos. A experiência e o instinto que antecipa a sua causa conduz necessariamente a profundas sugestões de ansiedade, dor, conflito e tantas outras, no entanto se afastados disso, se conseguirmos estar na posição de contemplador, essas sensações podem (e tomam) proporções de deleite porque quando se avista o "emissário do Rei dos Terrores" como Burke diz, tem essa raiz conflitante no parecer do próprio fenômeno. A situação até certo ponto segura do poder apreciar o medo tem relações com essa antiga causa mesma que afetou os filósofos de antigamente como aos mitólogos através dos séculos de acúmulo sapiencial em que podemos ver sua razão de ser em Aristóteles (Platão segue na mesma linha que seu aprendiz) e em Martin Heidegger respectivamente, na Metafísica I, 980a (edição de Giovanni Reale): "Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente da sua utilidade e amam[...]
Adiante Metafísica 982b (também do Reale):
ὁ δ᾽ ἀπορῶν καὶ θαυμάζων [Thaumazein] οἴεται ἀγνοεῖν (διὸ καὶ ὁ φιλόμυθος φιλόσοφός πώς ἐστιν: ὁ γὰρ μῦθος σύγκειται ἐκ θαυμασίων)[Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis.
Agora por Martin Heidegger (texto apud do autor —O que é Isto - a Filosofia?, edição Os Pensadores vol.XLV)
Platão no Teeteto, 155d: mála gàr philosóphou touto tò páthos, tò thaumázein, ou gàr álle arkhé philosophías hè haúte. "É verdadeiramente de um filósofo este páthos — o espanto; pois não há outra origem imperante da filosofia que este.
O espanto é, enquanto páthos, a arkhé (princípio, origem) da filosofia.[...]
Aristóteles diz o mesmo (Metafísica, I, 2, 982b 12 ss.) dià gàr tò thaumázein hoi ánthropoi kaì nÿn kaì prõton ércsanto philosopheïn. "Pelo espanto os homens chegam agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar (àquilo de onde constantemente nasce o filosofar e que constantemente determina sua marcha)."
Aqui há a convergência dos pontos porém a ligação determinante entre elas é o que Heidegger logo se adianta em explicar as profusões de onde partem ao tornar claro a própria etimologia dos elementos apontados e destacados: páthos é espanto, páthos traduz costumeiramente como paixão, páthos também se traduz e entende como "páskhein, sofrer, agüentar, suportar, tolerar, deixar-se levar por, deixar-se con-vocar por.". A Arkhé conjuntamente se poderia entender por um espanto perante fenômenos e leis desconhecidas e que se encontram nas sensações do homem ao tomar contato.
Retornando agora para Burke, a continuação de sua investigação o leva a definir na Parte II, Seções II, III, V, VI, VII e VIII, nos entrega as ideias mais próximas do que seria os elementos do medo:
II - Terror: A principal paixão que afeta dentre a cadeia de inflexões que decorrem o medo, "tudo que é terrível pra visão é sublime..." aqui a ideia se apresenta na questão que o princípio para o sublime é o terror, os elementos terríficos em grande ou pequena escala tem um efeito de assombro, atônito e sinônimos, pois o objeto de terror nos afeta por sua recepção ao indivíduo que o experiência, prédios gigantescos são sublimes pela sua perspectiva, seu sentimento é uma diluição de terror ao mesmo tempo que animais pequenos quiçá minúsculos o afete, como no caso das fobias e até na característica dita peçonhenta dos pequenos seres, cobras, aranhas e semelhantes causam-nos terror. "Pois é impossível observar coisas perigosas como insignificantes ou desprezíveis."
III - Obscuridade: "Quando conhecemos a extensão total de algum perigo ou quando conseguimos acostumar nossos olhos a isso, uma grande parte de nossa ansiedade desaparece." Aqui temos a compreensão de que quanto mais tomamos contato e retemos experiência sobre determinado objeto anteriormente desconhecido, menos atemorizará nossa razão e medo, isso retorna ao ponto do início da investigação e afirma o nosso ponto, dizendo relação com a capacidade imaginativa e também dos objetos ocultos investigados conforme progredimos, cremos ter cada vez mais controle de tudo, onde nosso erro surge para dizer que pouco ou nada conhecemos.
V - Poder: "Mas a dor é sempre infligida por um poder de certa forma superior, pois nunca nos submetemos à dor por vontade própria." O poder é sempre uma ameaça quando somos postos em situação que convoque medo, a dúvida se tal ser é agressivo, tem alguma qualidade desconhecida ou potencialidades que não temos compreensão, um urso selvagem, um homem estranho e tais ideias trazem o sublime pela sua terribilidade, conforme temos uma posição de desigualdade perante uma relação de poder em qualquer âmbito, somos tragados ao terror e o medo porém, quando temos compreensão e domínio sobre uma relação de poder como um gado, criaturas débeis, isso se torna desprezível e não tem razão de sublimidade.
VI - Privação: "Todas as privações gerais são grandiosas, porque elas são todas terríveis, Vazio, Escuridão, Solidão e Silêncio." As privações são como que uma síntese dos dois conceitos anteriores e do próximo, em suma a privação se assume principalmente no fervor religioso de alguma relação de evocativas imagens e situações que algo de absurdo se torna uma "presença" mesmo que seu "objeto" seja uma falta em grandes proporções.
VII - Vastidão: "A grandeza da dimensão é uma causa poderosa do sublime." Burke aqui toma exemplos geométricos sem muita certeza de como apontar uniformemente a afetação da Vastidão, mas ainda consegue nos dizer que dentre as três operações geométricas, a largura e a altura são menos que a profundidade do objeto e conforme mais extremado e conforme a magnitude seja grande ou até mesmo infinitesimalmente minúscula na observação microscópica dos seres, ela apresenta por si uma sugestão dessa Vastidão que nos põe em perspectiva e esse deve ser o efeito que se procura, a posição que nos torne ínfimos no macro e mesmo no microcosmo da existência.
VIII - Infinito: A ideia se entrega, portanto, "O infinito tem uma tendência de encher a mente com um tipo de horror deleitoso, que é o efeito mais genuíno e teste mais verdadeiro do sublime. Não há quase nada com o potencial de tornar-se objeto de nossos sentidos que seja realmente e em sua própria natureza. Mas aos olhos, não sendo capazes de perceber os limites de muitas coisas, elas parecem infinitas e produzem os mesmos efeitos que produziriam se fossem realmente infinitas."
A literatura de horror conforme foi progredindo em sua autonomia foi obedecendo e atacando esses princípios do medo, ela passou por várias fases desde os textos míticos, do relato oral, perpassa os textos religiosos e tantos textos e conjunto imagético que permeiam o jardim coletivo da humanidade. A fonte para justamente vir-a-ser esse gênero literário foi justamente esse Espanto que continua a atuar sempre que invocado pelas sensações, o medo sempre se insere em maior ou menor grau, em grandes ou pequenas modificações do sublime. A investigação se torna meta-investigação das sugestões que se recebem da sensibilidade que adveio da incognoscibilidade das eras e do sempre sugestivo medo das qualidades que ainda assombram o Cosmo.
A Literatura Weird, é o maior estranho no ninho dentre os demais subgêneros do horror e isso se dá porque essa literatura Insólita, Estranha, Bizarra, Incomum é a representação daquilo que está além do mistério banal, do assassinato ordinário, do culto demoníaco senso-comum e acima de tudo, sugere a suspensão e banalização das leis conhecidas pela humanidade. Ela é a subversão dos mitos modernos e tradicionais onde o Lobisomem não é uma maldição sanguínea, ela é uma infecção de origem desconhecida, pode ter uma origem mágica ou não; o vampiro pode ser apenas um ramo perdido da humanidade; e demais releituras e interpretações que podem ser elaboradas pela idiossincrasia do corpus imaginário do escritor.
O fundamento também da própria Ficção Weird é totalmente baseada na filosofia pessoal e visão de mundo do seu autor, onde a capacidade de extrapolar a situação ordinária dos fenômenos conhecidos do mundo dependerá do próprio indivíduo e sua perícia em desbravar esse terreno altamente individual (S.T. Joshi, The Weird Tale).
¹Supernatural Horror in Literature.
² Ibidem, o conceito original preza pela gama dos sentidos expostos na raiz.
³ Ibidem
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