[V.A. Crônica] Robert Aickman — E sua insolitude
"Não considero meu trabalho 'fantasia', exceto, talvez, para fins comerciais—"
Tento descrever o mundo como o vejo; às vezes exagerando artisticamente, sem dúvida."
Conheci esse escritor a pelo menos um ano ao navegar pelo site do Sebo Clepsidra quando explorava seus projetos do catarse financiados em busca de livros interessantes que são sempre alvo dessas potentes editoras independentes e que fazem uma lavra única. Fiquei curioso a respeito do título — Repique Macabro — e indo atrás, adquiri-a junto com outros títulos que já ansiava.
Ao receber em mãos, num dia de trabalho especialmente chuvoso e durante o intervalo que me reservava a ir ao correios, fiquei impressionado com sua arte: Um conjunto de espadas sobre uma mesinha de sala, um indivíduo sem sexualidade definida tomado por uma luz fraca num breu avassalador que permanecia acima do indivíduo central e que ao fundo, formavam figuras fugidias de um seres antropomórficos.
A arte creio, consegue dar bem o tom do tipo de horror que Aickman propõe, no verso do livro há uma citação de Neil Gaiman: "Ler Aickman é como assitir à apresentação de um mágico, e muitas vezes nem sei qual foi o truque que ele usou. Sei apenas que ele o fez de modo brilhante. Ele é realmente o melhor." A afirmação bem favorável e bem localizada, a mim a fórmula mágica de Aickman parece alguém fazendo uma poesia subliminar, seus símbolos são um rastro que dando numa rua sem volta resta retornar, seguindo isso esquecemos de olhar a volta onde o negror de seus feitiços estão atuando. O mágico que usa uma tela pra esconder uma cadeia de eventos que soem uma justificativa elusiva mas que é performada por sigilos de atenção que é preciso que o próprio autor creia para que tome o efeito desejado. A velação do seu mecanismo é mostrado, acreditamos que a tela é o mistério quando em realidade o controle está diretamente nas roupas e nas mãos do feiticeiro real.
Ele sabe escrever enredos, sabe conduzir sem entendiar, a prosa é digerível sem soar boba ou prolixa, como uma boa dosagem de seus autores favoritos em que os elementos sabem quando acabar. Outra marca maior do autor é a variedade de cenários e de fórmulas na história, a primeira da coleção (e que me obrigou a chamá-lo de mestre imediatamente) foi The Hospice, que invés de traduzir, refere-se ao nome de um hotel, pousada e que mais soube conduzir minha mão do que qualquer outro autor que li, um feito superior a Algernon Blackwood que já era experiente em contar histórias, The Hospice não mostra ameaças diretas, parece um conluio oculto de forças extraterrenas que não temos como dizer de onde vêm, parece que são dos membros do local, parece que é alheio a eles, parece que está assombrando o protagonista e parece estar distante dele. É um ocultismo bem executado por uma presença onipresente e que nos manipula a mim enquanto leitor e enquanto seguidor do protagonista.
Outra história digna de menção é Páginas do Diário de uma Menina que diferente da primeira em que há um narrador onipresente — e que talvez essa seja a presença sobrenatural que o personagem sinta, deixo a entender por vós — mostra o diário de uma garota que apaixonada por conhecer lugares e tendo o pesar de nunca estabelecer-se pois viaja junto aos pais através de locações a serviço, parecido com um caixeiro viajante narra como vão os seus dias, conta seus prazeres, ídolos (com menção a Bysshe Shelley e Lord Byron, o que parece datar a história em meados de 1821 na cidade de Ravena). E o formato epistolar da narrativa a partir da provável vítima de um vampiro traz conotações notáveis como sendo a relatora dos sentimentos que possui ao decorrer dos eventos que ela escolhe narrar, até ser "abraçada". Nessa edição felizmente financiada com mais sucesso que a meta do catarse pretendia, adicionou um apêndice extra com um artigo de Cid Vale Ferreira sobre o qual fundou o Sebo e editora Sebo Clepsidra e trouxe junto a editora Ex-Machina esse livro. Conta um pouco sobre a composição:
"Aickman certamente subverte o papel tradicionalmente desempenhado pelo vampiro na sequência narrativa [...], primeiro temos a circulação de um vampiro estrangeiro fascinante que espreita por eventos da alta sociedade [vide Lord Ruthven de Polidori][...] Depois, conforme inicia sua travessia rumo à morte em vida, a narradora passa a fantasiar-se "beijando" o pescoço da condessa italiana [Laura de Carmilla, A Vampira de Karnstein][...] Por fim ela recebe a visita de seu amante na forma de névoa que adentra pela janela e exerce efeitos sobre lobos da região [Drácula][...],". A própria vampirizada relata sua transformação aos passos que o vampiro nunca surge diretamente nominado ou torna uma aparência humana frente a personagem, é como uma presença que desliza e sai antes de ser visto ou como o mágico que se retira do palco ante a dúvida e espanto de todos...
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