[S. Artigo] A Morte da Filosofia.




A “Morte da Filosofia” não nos interessa em seu sentido positivista, não proclamamos nenhuma morte do conhecimento supra-sensível em prol de um logicismo per si morto e contraditório em suas bases instáveis. Nosso passo vai mais além no abismo do pensar.

Afinal, o que é filosofia? Nossa época pós-modernista nos levou a pensar que a filosofia seria meramente um saber do sentido da existência humana ou, simplesmente, uma visão de mundo (Weltaschuung) ultrapassada pelas ciências empíricas. Todavia, o estudo das causas e princípios supremos [1] não se reduz ao existir humano (como pensam os existencialistas, uma dentre milhares das correntes de pensamento filosófico), nem mesmo “ultrapassada” pelas modernas ciências que, inclusive, tem seu suporte metafísico no fisicalismo [2]. Assim, a filosofia se abre num horizonte mais complexo e enigmático.

A priori, Aristóteles define a Metafísica como a ciência do Ser enquanto tal [3]. Prestemos mais atenção a tal definição. O que exatamente é o “ser” em Aristóteles? É o ato de existir (hypoiken), a enteléquia [4]. E o que define este ato? A presença atual de um modo determinado de ser da substância [5], assim, o ato de ser é, necessariamente, a substância, que é o ser por si. Deste modo, Aristóteles conclui que o ser e o ente são, no fim, reversíveis [6]. Entretanto, há uma problemática inevitável nesta posição.

Se o ser é propriamente a enteléquia, ele seria reduzido ao mero predicamento, pois o modo de ser da coisa definida é o que expressa o ato [6], assim, seria objeto limitado ao seu agir de tal maneira… Tal atividade… etc. Porém, a realidade do ser é anterior ao seu agir, que tomaremos o termo energeia, ademais, é inconcebível que o ser não seja algo anterior aos entes para fundá-los em sua realidade. Portanto, o ser deve transcender a objetividade, não ser um gênero desta.

Mas o que é a objetividade? É a limitação do ato em uma formalidade específica, ou seja, objeto conceitual para um sujeito (hypokeimenon) do qual esse objeto se predica [7]. Objeto, assim, é a energeia delimitada de uma causa anterior, sua atividade. Portanto, este é realmente o ente, pois tal advém no ato da realidade que atualiza a atividade como ato essencial propriamente seu (por exemplo, a realidade da árvore é anterior ao seu ato de existir, pois há muitas potencialidades que podem se fenomenalizar que não são presentes atualmente na árvore, mas potencialmente, como novas folhas e troncos crescerem).

Todavia, toda a metafísica ocidental após Aristóteles (retirando algumas personalidades específicas) caiu no esquecimento da primazia da realidade e do ser sob o ente, reduzindo o ser às categorias, à posição lógica, à essência, à matéria, etc; não pensando o ser enquanto tal, mas a partir de uma essencialização do ser, ou seja, ser enquanto causa essencial ao ente.

Assim sendo, a tarefa da metafísica derivada de Aristóteles é tão somente o ser do ente, desconsiderando a diferença ontológica entre o Ser em si mesmo e o ser do ente (quididade). Partindo disto, a metafísica deve ser destruída em sua raíz se quisermos ir no caminho do Ser, declaramos, aqui, a morte da filosofia… Ou será que não?

A Metafísica, destruída, poderia ressurgir das cinzas? Poderíamos continuar investigando os princípios supremos, tal como proclama a Mathesis Magiste pitagórica? Investiguemos a metafísica de personalidades excêntricas da antiguidade, em especial a de Platão.

Heidegger, nas preleções do “Sofista de Platão”, aponta que o ser para Platão é realmente o eidos, a ideia. Esta tese não está de todo errado, ademais, Platão considera que as formas são causas dos paradigmas sensíveis [8], comunicando ser ao devir da sensibilidade. Todavia, Platão admitia algo além da Ideia, o Bem, como proclamado nas linhas da República:

"As coisas cognoscíveis não recebem do Bem apenas a sua inteligibilidade, mas também recebem dele a sua existência e a sua essência, apesar de o Bem não ser a essência, mas transcender a essência em dignidade e poder."

Assim, o Bem precede ontologicamente sua relação principial com a essencialidade e existência, não exatamente Ele sendo o Ser (pela sua indeterminação suprema enquanto Uno no Parmênides), mas o Real com todas as possibilidades de Ser. Assim, não vemos grande abismo com o pensamento de Heidegger que considerava o Ser como Negatividade (Nichthaftigkeit) que se auto-determina [9] com o pensamento platônico-pitagórico do Uno enquanto Não-Ser [10], não sendo um nada absoluto e passivo, mas uma Possibilidade Indeterminada.

Deste modo, deveremos reconstruir a Metafísica não a partir das entificações do real que fez o pensamento aristotélico e seus seguidores, mas abrir nosso horizonte para um Real aberto desde-si como mais que meras categorias formais, não esgotando a riqueza da ipseidade do mundo.



NOTAS:

[1] Aristóteles, Metafísica, Livro IV.

[2] É mister salientar que a proposição “todos os entes são entes físicos” é uma posição metafísica e que nem sequer tem base na experiência, pois pressupõe uma necessidade universal para toda experiência e fenomenalização de um ente, não derivada da experiência deste, mas por meio de uma atribuição sintética generalizante anterior à empiria.

[3] Aristóteles, Metafísica, Livro IV.

[4] Aristóteles, Metafísica, Livro IX.

[5] Aristóteles, Metafísica, Livro VII.

[6] Aristóteles, Metafísica, Livro V.

[7] Não dizemos isso no sentido epistemológico de um sujeito que percebe um objeto, mas de um sujeito ontológico do qual se predica um objeto, que sempre é ontologicamente anterior ao objeto.

[8] Platão, Parmênides.

[9] Heidegger, Ponderações, II-VI.

[10] Sobre isso, o divo Proclus comenta na Proposição 138 do Elementos da Teologia.

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