[V.A. Artigo] Sobre o Racismo de Lovecraft

Isso aqui se faz necessário e é algo que devia ser minimamente inteligível pra qualquer pessoa que crítica um autor, sendo ele alguém de outra época, o que é o caso, mas principalmente sobre quais eram as influências dessa própria época, não se deve pensar que os padrões de hoje são aplicáveis ao de outras épocas, pode ter tido um considerável improvement em várias coisas e outras não, vide a arrogância e o anacronismo que muitos indivíduos buscam suplantar como a Opinião Superior.
Isso é algo que enche muito qualquer um com um mínimo de honestidade pra investigar a questão ou pedir a ajuda de alguém mais introduzido sobre X assunto.
Deixando de lado agora essa mínima noção de bom senso; vou explicitar algumas das razões por qual Lovecraft ainda é relembrado majoritariamente pelo aspecto ao qual ele foi em parte da vida dele e elucidando que ele não é só o “racistinha” médio que essa geração “Woke” se dói tanto pra algo que já passou.
Indo para as questões:
• Lovecraft era um aficionado pela ciência desde a biologia a astronomia e um dos ramos chamado Antropologia, pra qualquer leigo que não entenda o contexto do século pré-metade do século XX pra trás, vai fazer papel de palhaço quando críticar alguém que se considera ultra a favor da ciência, nessa época e primórdios a concepção de Raças entre os cientistas era uma evolução singular de umas sobre as outras baseadas na visão do homem branco anglo-saxão em método de comparação com outras sociedades “primitivas” indo pra uma especulação biológico-racial, remontando a uma hierarquia das raças, isso dentro do “mundo americano”, o qual:
“Em 1904, o governo de Theodore Roosevelt subsidiou uma feira de novidades em Saint Louis, a tal Lousiana Purchase Expedition, onde apresentava verdadeiros zoológicos de seres humanos vindos das Filipinas, Guam, Alasca e demais colônias estadunidenses da época. O objetivo era, em partes, expor aos visitantes os resultados das invasões militares e entrada do país na corrida de conquistas imperiais no ultramar. O segundo objetivo declarado era educacional: tratava-se de mostrar espécimes de “raças primitivas” e suas práticas, a fim de restaurar no homem anglo-saxão um senso de superioridade e protagonismo na marcha da civilização. Curiosamente, a base para essas práticas vinha das próprias ciências biológicas ensinadas em universidades. A pseudociência das raças a eugenia, que associamos a Hitler e seu império — foi uma invenção do estadunidense Francis Galton, veiculada num best-seller da época, Hereditary Genius (1869). Trata-se de um livro que Howard Phillips Lovecraft leu na adolescência e chegou a considerar como a última palavra em termos de saberes antropológicos. Em suma: como ocorre com os racistas que dão conta de sair das saias da mãe — que conseguem abandonar preconceitos herdados — essa foi a visão de mundo de Lovecraft até ser confrontado com contradições próprias da vida prática.”¹
• Próxima questão é a sua honestidade intelectual com a opinião divergente, algo que Lovecraft via como parte do “ser cavalheiro” nos moldes de um aristocrata que vivia numa comunidade ainda que protestante e puritana, que fundava preconceitos com o que desconhecia, não era surpresa essa opinião ser o senso comum de muitos americanos das primeiras colônias inglesas. Sendo o assunto honestidade:
“Conhecer um indivíduo chamado James Ferdinand Morton foi outra etapa digna de destaque. Ela remonta ao início do jornalismo amador de Lovecraft, no artigo “In a Major Key”, publicado no jornal Conservative, edição de julho de 1915. Trata-se de um texto sofrível, que seria relegado ao esquecimento se não fosse pela réplica de Morton, um homem vinte anos mais velho e famoso por seus livros antirracistas, como The Cure of Race Prejudice, de 1906. O tom polêmico (embora justo e racional) de Morton fez Lovecraft respeitá-lo. Era a primeira vez que fora notado por um intelectual público — e ainda por cima por um doutor em Harvard, uma sumidade do meio anarquista e amigo pessoal de W. E. B. Du Bois, o porta-voz acadêmico das lutas sociais afro-americanas. Lovecraft e Morton continuaram a conversa em correspondência privada e se tornaram amigos para a vida toda. O jovem nativista logo se vê nos braços de uma judia e na companhia de um defensor apaixonado do antirracismo.”²
• Outro ponto ressaltado no fim da última citação, Lovecraft durante os idos de 1921 em Boston numa viagem a uma conferência, conhece uma mulher judia de nome Sonia Greene que se encanta com Lovecraft que era o oposto do jeito dele e o mesmo acontece com ele, chegando ao ponto de se casarem em 1924, mesmo com o repúdio das tias com quem viam um absurdo, Lovecraft crê também que ela conseguia se encaixar no que ele via como “padrão cultural americano”, um certo ponto de mudança no que se via na época sobre a questão já citada das raças menos “civilizadas” que se incluíam nos judeus, conto até que Lovecraft foi sustentado financeiramente pela esposa porque não conseguia arranjar um emprego que lhe agradasse, como ele mesmo se via como um aristocrata que não podia aceitar “trabalhos menores”. Enfrentava diariamente uma contradição.³
• Indo agora pro aspecto literário-imaginativo do nosso curso até agora. Lovecraft tinha além de grandes influências literárias e filosóficas, possuía uma imaginação que não se veria comumente, ele sempre tinha um “quê” afiado para percepções de magnetudes abismais, sendo essa a sua filosofia o Cosmicismo, que se for pra focar em um aspecto menor que seria o racismo na obra, ela acaba sendo estilhaçada perante os dotes literários do próprio Lovecraft, que para as visões mais simplistas e secas, não conseguem enxergar dois palmos a sua frente ao analisar um simples autor.
“[…] todos os meus contos são baseados na premissa fundamental de que as leis, interesses e emoções humanas habituais não têm validade ou significado em face do vasto cosmos como um todo. Para mim, não há nada além de puerilidade em um conto em que a forma humana — e as paixões, condições e padrões humanos locais — sejam descritos como nativos de outros mundos ou outros universos. Para alcançar a essência da exterioridade real, seja de tempo, espaço ou dimensão, deve-se esquecer que coisas como vida orgânica, bem e mal, amor e ódio, e todos os atributos locais de uma raça desprezível e temporária chamada humanidade tenha qualquer existência em tudo. Apenas as cenas e personagens humanos devem ter qualidades humanas. Eles devem ser tratados com um realismo implacável (não com um romantismo mediocre), mas ao cruzarmos a linha para o desconhecido sem limites e hediondo — o Exterior assombrado pelas sombras — devemos nos lembrar de deixar nossa humanidade e terrestrialismo na soleira da porta.”
Para os que se debruçarem minimamente sobre a questão imigratória dos EUA durante a metade do século 19 e início do século 20, saberá que Nova York foi um grande espaço para imigrantes de todo tipo e foi algo que realmente atiçou Lovecraft, de fato foi o verdadeiro verme ao retratar que os imigrantes são vermes, para todo leitor do Lovecraft, isso é um óbvio sinal de que a opinião dele foi repugnante e execrável durante uma parte da vida dele, mas ficar julgando e cancelando um morto, parece ser uma imbecilidade infinita como ocorreu a alguns anos atrás, o que gostamos em Lovecraft são dos seus pontos inovadores e não de ideias ultrapassadas.⁵ Disso quem for ler as histórias que de fato tem um tom racista em certos pontos, é bom lembrar que ele também era altamente imaginativo:
“Uma chave para ler os escritos sobre Nova York é considerar quão pouco importante suas personagens humanas são na fatura das narrativas. O que conta são as experiências de pessoas encontrando-se com o desconhecido, com livros indecifráveis, deuses esquecidos, raças parasitárias que vivem em nosso entorno desde sempre, mas que raramente se revelam. Não porque sejam experiências que nos tornam mais humildes ou pessoas melhores — geralmente elas enlouquecem as personagens. O fundo da narrativa lovecraftiana é mais ligado à contemplação boquiaberta dos mistérios do universo, do estranho misto de pavor e desejo que eles provocam em nós. O que chamamos de História e Civilização no fundo só seria uma longa distração que a humanidade criou para afastar os antigos pavores da noite, da morte, daquilo que nossa ignorância nos impede [de] ver. Por isso, portais, livros antigos, pessoas incomumente idosas são centrais em Lovecraft: elas são o vinculo com esse mundo da exterioridade cósmica, digamos, e, uma vez que são encontradas, toda a fachada segura e civilizada da vida humana começa a ruir.”
• Pra não me prolongar tanto, posso atualizar esse artigo depois pois esse é um assunto chato pra minha persona, quiçá inútil quando se toca em Lovecraft caso queira julgar a Literatura dele na qual não tem a depender nenhum pouco da perspectiva racial dele e que sendo otimista, ele deve ter ido largando cada vez mais ao longo dos seus últimos anos, pois ele tinha amigos de variadas etnias no seu grupo social-literário por cartas, considerável parte de seus amigos não concordavam com essa opinião de Lovecraft e sobre a parte que desconheço não ouso admitir nada. Indo pro meu último e quiçá melhor Ponto: S.T. Joshi, um homem de origem indiana que dizem que em alguma carta a qual eu ainda não tive oportunidade de ler, que Lovecraft mais desprezava entre as raças, era os indianos, afirma categoricamente que Lovecraft tinha um grande Gênio no seu quesito estético-filosófico, e que o racismo dele não contribuiu em nada para o que ele teve na filosofia do Cosmicismo, Lovecraft tinha interesse embora descreditasse do ocultismo, esoterismo e principalmente tinha fascínio em noções nietzschianas e ciclos cósmicos que tem um fundo nas grandes mitologias do mundo, desde as Eras de Hesíodo ou os ciclos hindus e do Jainismo, que fazem a gente contemplar a grandeza do Universo por quantidades absurdas de Tempo sobre os quais a humanidade está indissociavelmente imposta e deve passar o tempo sobre os efeitos de cada era que ciclicamente se reinicia a milhares e milhares de anos. Joshi como é reconhecidamente o maior pesquisador de Lovecraft e da Literatura Weird, teve que defender Lovecraft numa premiação sobre Qualidades Literárias, de um busto do homem que era o troféu da premiação, porque ele foi racista em vida, ora, o que o passado de um homem tem a ver com o real significado simbólico disso? Nada.
Joshi defende e também está de saco cheio de forçarem esse núcleo racial em Lovecraft porque pessoas igualmente superficiais tem uma miopia mental em não conseguir extrair de qualquer coisa, seu melhor conteúdo.

Artigos de S.T. Joshi sobre Lovecraft:
Sobre a Premiação do Busto de Lovecraft na World Fantasy Awards.
Sobre o Racismo em Lovecraft: http://stjoshi.org/review_ruins.html#ref-01

Notas de Rodapé:
1 H.P. Lovecraft, Os Fungos de Yuggoth, artigo Felipe Vale da Silva (Réquia para o Sonho Americano), página 410, editora Clepsidra.;
2 idem, página 411.;
3 idem, página 408 e 411.;
4 Idem apud. Página 420.;
5 S.T. Joshi, A Vida de H.P. Lovecraft, página 291, edição ebook, Editora Hedra.;

6 Lovecraft, Os Fungos de Yuggoth, idem, página 420–21. 


Comentários

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *