[V.A. Conto-Tradução] Robert Bloch — O Comensal das Estrelas (1935)
SOU O QUE PROFESSO SER — um escritor de ficção insólita. Desde a primeva infância fui obcecado com a enigmática fascinação pelo desconhecido e impensado. Temores inomináveis, sonhos grotescos, o estranho, (Coisas) semi-intuitivas que assombram nossas mentes sempre exercitaram para mim um deleite potente e inexplicável.
Na literatura caminhei por trilhas ao luar com Poe ou rastejei entre sombras com Machen; passei por reinos de astros horripilantes com Baudelaire, ou atravessei os recônditos mais insanos da Terra entremeado em histórias de sabedoria ancestral. Um parco talento para rascunhar e trabalhar com lápis de cera me levou a tentar a rudes rabiscos os habitantes anormais de meus sonhos noturnos. A mesma tendência sombria do intelecto que me atraiu em minha arte me interessou em domínios obscuros de composição musical; as tensões sinfônicas da Suíte Planets e afins eram minhas favoritas. Meu íntimo logo tornou-se uma terrífica festa de antigos, terrores incompreensíveis.
Minha existência exterior foi, em contraposição, monótona. Enquanto as horas passavam me sondei a deriva em uma vida de cada vez mais reclusão fugaz; uma sossegada existência filosófica entre um mundo de livros e sonhos.
O homem precisa viver. Pela natureza física e espiritual descabida de trabalho braçal, no início fiquei perplexo com a escolha de uma vocação adequada. A depressão dificultou a vida para um nível quase intolerável, por um momento estive a beira do colapso financeiro. Foi então que comecei a garatujar.
Fui em busca de uma máquina de escrever usada, uma resma de papel barato, e um pouco de carvão. Meu assunto de interesse não me estranhava. Que melhor campo que o reinos imensos de uma imaginação inspirada? Eu escreveria sobre horror, medo, e o dilema que é a morte. Ao menos, no limite de minha falta de rigor, era essa minha intenção.
Meus primeiros passos tão logo convenceram-me de que havia falhado. Triste, miserável, me senti arrasado do meu objetivo almejado. Meus vívidos sonhos tornam-se no papel meros emaranhados insignificantes de adjetivos pesados, não encontro em palavras mundanas a expressão do incrível terror do desconhecido. Meus primeiros manuscritos foram terríveis e fúteis rabiscos; as poucas revistas aproveitando tais materiais são unânimes em suas rejeições.
Eu tinha que viver. Lenta mas certamente desenvolvi um estilo para minhas ideias. Penosamente eu experimentei com palavras, frases, estrutura de frase. Era trabalho e coloque trabalho árduo nisso. Logo aprendi a transpirar. Finalmente, entretanto, uma de minhas histórias encontrou favorecimento; então uma segunda, terceira, quarta. Brevemente comecei a aprender os mais óbvios truques de barganha, o futuro brilhou pra mim. Foi com uma mentalidade fácil que retornei a tão sonhada vida e aos meus amados livros. Minhas histórias garantiram-me um relativo meio de viver, por um tempo isso bastou. Mas não por tanto tempo. Ambição, jaz uma ilusão, foi a causa dessa anulação.
Eu queria escrever uma história real; não o estereótipo, história de efêmera qualidade que realizava para revistas, queria um real trabalho de arte. A realização de tal obra-prima virou o meu ideal. Eu não era um bom escritor, no entanto isso não era totalmente condizente com meus erros de estilo mecânico. Era, senti, culpa do meu assunto de interesse. Vampiros, Lobisomens, Ghouls, monstros mitológicos — tais coisas inteiravam o material de baixo mérito. Imaginário comum, tratamento mundano de adjetivos e um ponto de vista prosaicamente antropocêntrico eram os detrimentos chave para a produção de um conto weird realmente bom.
Eu tenho que ter um novo tema, uma trama incomum. Se eu conseguisse apenas imaginar algo que seja anormalmente incrível!
Me estendi a conhecer as canções dos demônios ressoantes enquanto perambulam entre estrelas ou ouvir vozes de Deuses antigos enquanto sibilam seus segredos no ecoante vazio. Eu almejava conhecer os terrores do sepulcro; o beijo dado por vermes a minha língua, a carícia fria de um sudário apodrecido sobre meu corpo. Eu ansiava pelo saber que estava no fundo de olhos mumificados, ardia pelo saber conhecido apenas pelos vermes. Só então eu poderia escrever, minhas ânsias estariam feitas.
Achei um meio. Discretamente iniciei uma correspondência com pensadores isolados e sonhadores através de todo o país. Havia um ermitão nas colinas oestes, um sábio nas matas ao norte, um místico sonhador na Nova Inglaterra. Adveio do último que conheci os livros ancestrais de estranho saber. Ele mencionava reservadamente do lendário Necronomicon, falava timidamente de um certo Livro de Eibon que tinha a reputação de exceder na total selvageria de sua blasfêmia. Ele mesmo havia sido um estudante de tais volumes de profanação primordial, porém ele não queria que eu buscasse muito além. Ele tinha ouvido várias coisas estranhas quando garoto na assombrada Arkham, onde as antigas sombras ainda perscrutam e assustam, desde então ele ponderadamente evitou tal conhecimento mais obscuro dos proibidos.
Ao alcance, após muito insistir por minha parte, relutantemente ele consentiu em fornecer-me com nomes de certos indivíduos que julgava úteis para mim na minha busca. Ele era um escritor de visível esplendor e conhecida reputação entre os pouco relevantes, e logo eu notei que ele queria saber o resultado de todo o empenho.
Logo que sua lista veio a minha posse, comecei a difundir uma campanha de postais como meio de obter acesso aos volumes almejados. Minhas cartas foram para universidades, livrarias privadas, videntes famosos e líderes de cultos cuidadosamente escondidos e obscuros. Mas eu estava destinado ao desapontamento.
As respostas foram antipáticas e quase hostis. Evidentemente os boatos de portadores de tais conhecimentos estavam atiçados que seus segredos devessem estar sendo desvelados por um estanho curioso. Consequentemente fui alvo de algumas ameaças anônimas por cartas e tive uma ligação bem alarmante. Não me incomodou tanto quanto minha decepção que minhas tentativas falharam. Negações, evasões, recusas, ameaças — isso não ia me ajudar. Devo buscar em outro lugar.
As livrarias! Talvez em alguma estante mofada e esquecida eu deva encontrar o que busco.
Portanto começa uma interminável cruzada. Aprendi a suportar meus muitos desapontamentos com uma calma inabalável. Pelo visto, ninguém a cargo das lojas aparentou conhecer o temível Necronomicon, o maligno Livro de Eibon, ou o inquietante Cultes des Goules.
Persistência traz resultados. Numa lojinha antiga na rua Dearborn Sul, entre estantes poeirentas notavelmente esquecidas pelo tempo, veio o fim de minha busca. Lá, firmemente alojada entre duas edições centenárias de Shakespeare, estava um grande volume negro com revestimentos de ferro. Sobre ela estava a inscrição feita a mão, estava escrito, De Vermis Mysteriis, ou “Mistérios do Verme”.
O dono não conseguia dizer como veio a sua posse. Anos antes, por acaso, havia sido incluso em alguma coisa de segunda mão. Ele estava claramente alheio sobre sua natureza, porque comprei-o por um dólar. Ele embalou o objeto pesado pra mim, bem contente com tal venda inesperada, desejou-me um bom dia bem satisfeito.
Saí apressado, com o precioso prêmio sob meu braço. Que achado! Ouvi sobre esse livro antes. Seu autor era Ludvig Prinn; que faleceu durante a inquisição em Bruxelas quando os julgamentos de bruxaria estavam no auge. Um indivíduo estranho — alquimista, necromante, mago famoso — ele se orgulhava de ter atingido uma idade milagrosa quando finalmente sofreu uma imolação feroz nas mãos do braço secular. Dizem que ele havia proclamado pra si ser o único sobrevivente da infeliz nona cruzada, exibindo como prova certos velhos documentos para atestar. É verdade que um tal Ludvig Prinn foi contado entre os cavalheiros que guardam Montserrat nas antigas crônicas, porém os incrédulos brandiram Ludvig como um impostor demente, embora por acaso, era um descendente linear do guerreiro original.
Ludvig atribuiu seu aprendizado mágico aos anos passado como prisioneiro entre feiticeiros e maravilhosos trabalhadores da Síria, loquazmente ele falou de encontros com djinns e ifrites¹ da ancestral mitologia oriental. Ele é conhecido por passar algum tempo no Egito e há lendas entre os líbios dervixes a respeito das antigas escrituras da velha vidente em Alexandria.
De qualquer modo, seus dias decadentes foram dispendidos na região baixa flandrense² de nascença, onde residiu, adequadamente, nas ruínas de uma tumba pré-Romana que estava na floresta próximo a Bruxelas. Ludvig foi reputado por haver habitado lá entre uma multidão de familiares e atemorizantes conjurações invocadas. Manuscritos ainda existentes falam dele de forma cautelosa como sendo atendido por “companheiros invisíveis” e “servos enviados das estrelas”. Camponeses evitavam a floresta a noite, pois não gostavam dos certos barulhos que ressoam para a lua, certamente a maioria não estava animada para ver o que era clamado nos velhos altares pagãos que jazem decadentes nos vales mais negros.
Seja como for, tais seres que ele comandou nunca foram avistados após a captura de Prinn pelos servos da inquisição. Soldados de busca encontraram a tumba inteiramente vazia, porém foi saqueada antes de sua destruição. As entidades sobrenaturais, os componentes e instrumentos estranhos — todos curiosamente evanesceram. Uma busca nos bosques proscritos e uma tímida investigação aos estranhos altares não complementaram com informação. Ali havia manchas de sangue nos altares e manchas na prateleira, além disso, o interrogatório de Prinn finalizado. Uma série de torturas particularmente atrozes não conseguiu obter mais revelações do silêncio do feiticeiro e pela duração, os interrogadores cansados cessaram e lançaram o feiticeiro idoso em uma masmorra.
Foi na prisão, enquanto aguardava julgamento, que ele escreveu as linhas mórbidas e malditas do De Vermis Mysteriis, conhecidas hoje como Mistérios do Verme. Como passou pelos guardas em alerta é um mistério por si só, contudo um ano após sua morte houve cópias em Colônia. Teve supressão imediata, todavia algumas cópias já foram distribuídas privadamente. Estes por sua vez foram transcritos, embora tivesse sido censurado posteriormente e cópias destruídas, unicamente o original em latim é aceito como genuíno. Ao longo dos séculos, alguns dos eleitos leram e refletiram sobre seu conteúdo. Os segredos do velho arquimago são conhecidos apenas pelos iniciados, eles desencorajam todos os meios de dividir sua fama, por motivos bem estabelecidos.
Isto, em resumo, era meu saber a respeito da história do volume no momento que veio sob minha posse. Como um objeto de colecionador solitário, o livro era um achado fenomenal, sobre o que continha eu não poderia julgar. Estava em Latim. Desde que eu possa falar ou traduzir apenas algumas palavras dessa língua aprendida, fui confrontado por uma barreira logo que abri suas páginas mofadas. Foi uma loucura possuir tal tesouro de conhecimentos sombrios ao meu comando e ainda sim, falta a chave para seu despertar.
Por um momento desesperei, uma vez que eu não estava disposto a me aproximar de nenhum local acadêmico clássico ou latino em conexão com um texto tão hediondo e blasfemo. Sobreveio então uma inspiração. Por que não levá-lo ao leste e buscar o auxílio de meu amigo? Ele era um estudioso dos clássicos e não seria chocado facilmente pelos horrores das revelações nefastas de Prinn. Conforme enviava uma carta apressada a ele, logo depois recebi minha resposta. Ele ficaria contente em me ajudar — Eu devo por todos os meios alcançá-lo logo.
— 2 —
Providence é uma cidade adorável. A residência do meu amigo era antiga, excentricamente georgiana. O primeiro andar era uma joia de aspecto Colonial. O segundo, por baixo de tábua antiquada que sombreava a enorme janela, servia como um sala de trabalho para meu anfitrião.
Foi aqui que ponderamos naquela noite sombria e agitada de abril passado; aqui, ao lado da janela aberta que olhava para o mar azul. Era uma noite sem lua; abatido e pálido com uma névoa que encheu a escuridão com sombras de morcegos. Em minha introspecção, ainda posso vê-lo — a minúscula sala iluminada por uma lâmpada com a mesa grande e as cadeiras altas; as estantes que delimitam as paredes; o manuscrito empilhado em arquivos especiais.
Meu amigo e eu nos sentamos à mesa, o volume misterioso estava diante de nós. Seu perfil magro lançava sombra perturbadoras na parede, seu rosto pálido estava solapado na luz branca. Havia um ar inexplicável de uma revelação deslumbrante bastante perturbador em sua potência; senti a presença dos segredos esperando serem desvelados.
Meu companheiro notou isso também. Longos anos de experiência ocultista afiaram minha intuição a um grau inquietante. Não era o frio que fez ele tremer ao sentar-se em sua cadeira; não era a febre que fazia seus olhos estarem em chama como joias de fogo. Ele sabia, mesmo antes de abrir o livro amaldiçoado, que era maligno. O cheiro de mofo que surgiu dessas páginas antigas carregava junto o fedor de um túmulo. As folhas desbotadas eram bichadas nas bordas, enquanto ratos mordiscaram o couro; ratos que tinham um alimento horrível como sua refeição.
Eu havia dito ao meu amigo a história do livro nessa tarde, desembalandoo em sua presença. Estava então ansioso e pronto para começar a tradução logo. Mas agora hesitou.
Não era sensato, insistiu. Esse saber é maligno — quem poderia falar algo sobre o que diabos pode habitar em tal conhecimento, ou quão nocivo pode ser ao ignorante que espiar seu conteúdo? Não é bom saber demais, homens morreram ao exercer saberes corrompidos que tais páginas continham. Ele implorou-me para abandonar minha busca enquanto o livro estava fechado e buscar minha inspiração em coisas mais sãs.
Fui um tolo. Apressado rejeitei suas objeções com inúteis e vazias palavras. Não tive medo. deixe-nos pelo menos olhar no conteúdo de nosso prêmio. Comecei a virar as páginas.
O resultado foi desapontador. Isso se parecia com um livro qualquer de todo modo — amarelo, páginas caídas com textos em latim com letras negras pesadas. Era tudo; sem ilustrações ou designs destacados.
Meu amigo não podia mais resistir ao fascínio de um bibliófilo tão raro presente. No momento ele estava bisbilhotando intensamente sobre meu ombro, ocasionalmente sussurrando trechos da frase latina. O entusiasmo o dominou finalmente. Medindo o livro precioso com ambas as mãos, ele sentou-se próximo a janela e começou a ler parágrafos aleatoriamente, ocasionalmente traduzindo-os para inglês.
Os seus olhos brilharam com uma luz feroz; o perfil cadavérico ressurgiu enquanto estudava as runas desbotadas. Sentenças trovejadas em uma litania aterrorizante, então esvaneceu-se em tons abaixo a de um sussurro enquanto sua voz amaciava como o assobio de uma víbora. Peguei algumas poucas frases agora, pois em sua introspecção ele aparentou ter esquecido de mim. Ele estava lendo feitiços e encantamentos. Lembro-me de alusões a deuses de adoração como o Pai Yig, Sombrio Han, e Byatis com barbas-serpentes. Eu tremia, pois conhecia estes nomes de antigos tempos, mas teria tremido mais se soubesse o que ainda estava por vir.
Foi rápido. Subitamente ele se virou pra mim em grande agitação, sua voz animada era estridente. Me questionou se eu ainda me lembrava das lendas sobre a feitiçaria de Prinn, as histórias de servente invisíveis que comandava das estrelas. Assenti, pouco entendendo a causa de seu frenesi repentino.
Então ele me explicou. Aqui, sob um capítulo de familiares, ele havia achado uma prece ou feitiço, talvez seja um que o próprio Prinn tenha usado para convocar seus invisíveis servos de além das estrelas! Deixe-me ouvir enquanto ele lê.
Fiquei ali sentado, como um imbecil, tolo ignorante. Por que não gritei, tentei escapar, ou rasgar o maldito manuscrito de suas mãos? No entanto me sentei ali — sentei-me enquanto meu amigo, com uma voz rachada com empolgação não natural, leu em Latim a longa e sonoramente sinistra invocação.
“Tibi Magnum Innominandum, signa stellarum nigrarum et bufaniformis Sadoquae sigillum…”³
O ritual coaxado procedeu, depois ergueu-se em asas de horror noturno e hediondo. As palavras pareciam escrever-se como chamas no ar, incendiando-se em meu cérebro. Os tons trovejantes lançaram um eco de infinidade, além da estrela mais longínqua. Eles pareciam passar para os portões primitivos e não dimensionados, para procurar um ouvinte lá, e convocá-lo para a Terra. Tudo isso foi uma ilusão? Eu não parei para refletir.
Pois aquela convocação imprudente foi respondida. Mal tinha a voz de meu companheiro se esvaído naquele cômodo antes que o terror chegasse. O quarto enregelou. Um vento súbito chegou pela janela aberta; um vento de fora desse mundo. Tinha um odor maligno de longe, ao som, o rosto de meu amigo tornou-se uma máscara branca pálida de medo recémdespertado. Depois houve um rangido nas paredes, e a janela com a curvatura cedeu diante dos meus olhos. Do nada além dessa abertura surgiu uma súbita explosão de risos obscenos — um cacarejar histérico nascido de uma loucura total. Ele elevou-se rindo a quintessência de todo o horror, sem lábios para dar origem.
O resto aconteceu com uma rapidez sem precedentes. De uma vez, meu amigo começou a vociferar enquanto encarava a janela; gritando e arranhando ferozmente o ar vazio. Pela luz da lâmpada vi suas características contorcerem-se em uma agonia insana. Um momento depois, seu corpo levantou-se sem apoio do chão, e começou a curvar-se para fora até um grau de retrocesso. Um segundo depois veio o ranger repugnante dos ossos quebrados. Sua forma agora está pendurada no ar, os olhos vidrados e as mãos agarrando-se convulsivamente como se estivessem em algo invisível. Mais uma vez veio o som da risada maníaca, mas desta vez veio de dentro da sala!
As estrelas balançavam em angústia vermelha; o vento frio gaguejava em meus ouvidos. Eu me agachei em minha cadeira, com meus olhos arregalados naquela cena espantosa no canto.
Meu amigo estava gritando agora; seus gritos misturados com aquele riso alegre e atroz do ar vazio. Seu corpo flácido, pendurado no espaço, curvado para trás mais uma vez enquanto o sangue jorrava do pescoço rasgado, borrifando como uma fonte de vermelho.
Aquele sangue nunca alcançou o chão. Estava parado no meio do ar enquanto a risada cessava, e um abominável ruído de sucção tomou seu lugar. Com um novo e acelerado horror, notei que o sangue estava sendo drenado para suprir a entidade oculta do além! Que criatura do espaço tinha sido tão repentina e inadvertidamente invocada? O que era essa abominação vampírica que eu não conseguia ver?
Mesmo agora uma furtiva metamorfose estava tomando lugar. O corpo do meu companheiro estava se tornando encolhido, irracional, inerte. Em comprimento caiu para o chão e ficou nauseantemente imóvel. Mas no ar ocorreu uma mudança mais horrível.
Um brilho avermelhado encheu o canto junto à janela — um brilho ensanguentado. Lentamente, mas com certeza, os contornos sombrios de uma Presença apareceram; os contornos cheios de sangue daquele comensal invisível das estrelas. Era vermelho e gotejante; uma imensidão de geleia pulsante e em movimento; uma mancha escarlate com miríades de tubos tentaculares que ondulavam e acenavam. Havia ventosas nas pontas dos apêndices, e estas se abriam e fechavam com uma luxúria macabra… A coisa estava inchada e obscena; uma massa sem cabeça, sem rosto, sem olhos com a mandíbula esfomeada e as garras titânicas de um monstro estelar. O sangue humano sobre o qual ele havia se alimentado revelou os contornos até então invisíveis do devorador. Não era uma visão para olhos sãos ver.
Felizmente, por minha razão, a criatura não se demorou. Ao lançar o cadáver morto e flácido sobre o chão, ele aproveitou propositadamente a abertura. Lá ele desapareceu, e eu ouvi seu riso longínquo e ridículo flutuando nas asas do vento enquanto ele recuou para os golfos de onde tinha vindo.
Isso era tudo. Fui deixado sozinho na sala com o corpo mole e sem vida aos meus pés. O livro tinha desaparecido; mas havia impressões sangrentas na parede, faixas sangrentas no chão e o rosto de meu pobre amigo era a cara de uma morte sangrenta, deitado para as estrelas.
Durante muito tempo sentei-me sozinho em silêncio antes de incendiar aquela sala e tudo o que ela continha. Depois disso, fui embora, rindo, pois sabia que o fogo iria erradicar todos os vestígios do que restava. Eu tinha chegado apenas naquela tarde, e não havia ninguém que soubesse, nem para me ver partir, pois eu partia antes do brilho das chamas serem detectadas. Tropecei por horas pelas ruas torcidas, e tremia com risos renovados e idiotas enquanto olhava para as estrelas ardentes e sempre brilhantes que me olhavam furtivamente através de grinaldas de neblina assombrada.
Depois de um longo tempo, fiquei calmo o suficiente para entrar em um trem. Estive calmo durante toda a longa viagem de volta para casa, e calmo durante todo o percurso deste trecho de arenito. Eu estava até calmo quando li sobre a curiosa morte acidental de meu amigo no incêndio que destruiu sua morada.
É somente nas noites, quando as estrelas brilham, que os sonhos voltam para me conduzir a um labirinto gigantesco de medos frenéticos. Então eu tomo drogas, em uma tentativa vã de banir aquelas lembranças que me deixam sonolento. Mas eu realmente não me importo, pois não vou ficar aqui por muito tempo.
Tenho uma curiosa suspeita de que verei de novo aquele comensal das estrelas. Acho que ele voltará em breve sem ser invocado, e sei que quando chegar a hora ele me procurará e me levará para a escuridão que detém meu amigo. Às vezes eu quase anseio pelo advento daquele dia, pois então aprenderei de uma vez por todas, os Mistérios do Verme.
Conto retirado e traduzido do site Cthulhu Files.
Notas:
1 Variante maléfica dos djinns, composta de membros flamejantes.
2 Região que compõe um trecho da França, Bélgica e Holanda.
3 “Para você, ó grandioso Que-Não-Se-Nomeia, vestígio das estrelas negras e o selo do batráquio Tsathoggua…”
Comentários
Postar um comentário